Cristiane Aparecida Monteiro-
Um dos temas de comunicação que sempre me chama muito a atenção é aquele do saber “escutar”. Nenhum de nós nasceu falando, pelo que conheço até hoje e para poder falar, é necessário exercitar-se na escuta. Se voltamos alguns milênios na história da humanidade veremos que o ouvido era um orgão de grande importância para garantir a sobrevivência e para defender-se dos animais perigosos. Em tempos mais recentes, algumas vezes assistindo os filmes de faroeste, notamos que os indígenas, colocavam o ouvido no chão e desta forma conseguiam identificar o que se aproximava e até mesmo a qual distância se encontrava. Poderíamos dizer que seja banal pensar sobre isso, mas o fato que homem fale não é por nada banal. E diriam os filósofos do século XX: - O homem falou, porque Alguém falou com ele por primeiro -. O homem escutou alguém que o interpelou, o provocou a um diálogo, a uma comunhão. Todos nós somos filhos da palavra, ela nos foi dada pelos nossos pais. Que felicidade foi aquela dos nossos pais quando escutaram os primeiros balbuciares das nossas palavras, que para eles eram fonemas extraordinários e os deixavam extasiados. Pela palavra expressamos o mundo interior para o mundo exterior. Mas para toda palavra pronunciada precisa de alguém que a escute, a compreenda e atribua um significado.
O que gostaria de refletir com você
nestas páginas é sobre o valor e o desafio de escutar para o homem de hoje, sucumbido
em um mundo cheio de informação que chegam por canais cada vez mais
sofisticados e que o mantém em contínuo estado de “recebimento” de textos e
mensagens de diversas partes do mundo, com argumentos multidirecionais. Vamos
analizar também como podemos viver melhor neste tempo da Rede, com a ajuda do
Padre Spadaro, autor de tantos livros e idealizador da Cyberteologia, que se
trata de um estudo teológico da comunicação no tempo de internet, este habitat comum
dos atuais seres humanos. A rede longe de ser uma realidade fria, é um lugar de
revelações profundas do homem e alí os conhecimentos são construídos não tanto
a base de conteúdos estáticos, mas através de uma rede de relações
personalizadas.
Escutar, condição para a comunição
Entrando na questão do títolo
proposto, “Escutar no meio de uma cultura digital”, comecemos por tentar
definir o que seja esta palavra. Primeiramente escutar é um fator essencial
para a interação comunicativa.[1] Na
comunicaçao interpessoal, sempre estamos assumindo ora o papel de quem escuta,
ora o papel de quem fala.[2] Portanto
escutar é uma ação e um modo de estar que constitui um fator essencial da vida
cotidiana de cada pessoa humana.
Seguindo um senso comum e uma
aproximação ao termo se faz necessário distinguir que “escutar” nao é uma
percepção meramente fisiológica. Também os animais escutam, e alguns possuem
este sentido até mais desenvolvido que os seres humanos. Mas para o homem,
aquele que pelo menos quer comunicar-se com os outros, a escuta se manifesta
como um inteligente, atento e prolongado ouvir que interpreta.[3]
De fato vemos que a nossa sociedade há quase delegado aos
psicólogos esse trabalho, porque para escutar é preciso ter a coragem de perder
tempo com o outro e procurar entender o que emerge do seu interior.
Nas Ciências de comunicação, também
tentei averigar um significado único para a palavra, mas os próprios
pesquisadores não conseguiram chegar a uma definição comum. Talvez eles não se
escutaram suficientemente! Apesar desta consideração provocante, encontrei um
estudioso, o Dr. Robert N. Brostom que em 1990, não disse o que seria escutar,
mas concluiu a sua conferência dizendo o que seria uma pessoa que escuta: «the
term, ‘good listener’ has become a synonym for a caring, other-oriented
person».[4] Deixei
na língua original para não perdermos a riqueza de cada palavra e podermos
intuir que se pode escutar com o ouvido, mas se deve também escutar com a
vista, com os sentidos, com o coração e com toda a pessoa. Porque aquele que
escuta se interessa por alguém, ele se importa com o outro, ele cuida do outro
e ao mesmo tempo ele também é cuidado e amado.
Herbert Franta e Giovanni Salonia
também nos oferecem uma chave de leitura a este termo: segundo eles, para poder
escutar, é necessário desenvolver potencialidades comunicativas, que não está
reservada somente aos profissionais do campo da psicologia, do couseling, da
educação etc. mas à todos aqueles que querem comunicar sadiamente de maneira
humana. Segundo eles, os problemas de comunicação do homem de hoje, não são
resolvidos com sentimentos de solidariedade.[5] Um
bonismo por si mesmo, que não atinge a pessoa de maneira concreta. O homem de
hoje precisa recuperar um contato maior consigo mesmo, com o outro e com Deus.
Recordemos que na antiguidade, nos
círculos de conversas do povo grego, a cultura oral era uma espécie de enciclopédia
confiada a quem escutava. Cada pessoa conservava a palavra recebida dos seus
mestres. Ela era como que escrita na alma e gerava resonâncias que eram
transmitidas para as futuras gerações. Recordemos por exemplo de Platão, que
dizia que os discursos das coisas justas, belas e boas deveriam
ser entregues diretamente pelo mestre ao seu discípulo como “palavras vivas”
escritas diretamente na alma e não a uma escritura estática.[6] A cultura de
hoje é bem cheia de conteúdos, mas eu me pergunto se o que lemos ontem
na internet, ainda nos lembramos como os alunos de Platão? Hoje somos mais
alunos do Google com palavras chaves, que confiantes na nossa própria
capacidade de memorizaçao e de elaboração de discursos mais complexos.
Uma outra indicação e
curiosidade para quem aprecia a esegese bíblica,
é que segundo os estudiosos da Tradição rabinica, a palavra escuta aparece mais
de mil vezes na biblia e se encontra entre os dez verbos mais citados.[7] Podemos pensar o significado do Šema‘ Yiśrā’ēl (Dt 6,4) – que não
pode ser ignorado, porque o escutar significa um pacto de amor, onde Deus
convida seu povo a escutá-lo e Ele mesmo escuta a oração
de Israel.[8]
Demos um salto do outro lado do mundo e encontramos um professor emérito de Retórica da Universidade de Minnesota, Dr. Ralph Nichols, considerado por Paul King, como o “pai das ciências contemporâneas da escuta”, em 17 de fevereiro de 1980 deu uma conferência em Atlanta – Georgia com o tema: “The struggle to be human”. Nesta ocasião ele afirmou que temos a urgência de aprender a resolver os conflitos através da escuta. Ele também é o idealizador da International Listening Association (ILA), e quiz comprovar cientificamente que “compreender e ser compreendido” é essencial não somente para solucionar os conflitos esternos e internos, mas para tornar-se mais plenamente humano.[9] Se em 1980 se tinha essa urgência de escutar uns aos outros para melhorar nossos relacionamentos, penso o que ele poderia nos dizer depois de 33 anos em uma época hiper-digitalizada, (quase) totalmente globalizada e com outros tipos de distúrbios comunicativos.
Neste caminho de
escuta, a ciência que mais dedicou tempo ao argumento foi a psicologia da comunicação. Ela queria compreender o
desenvolvimento das doenças psicológicas do século XX (depressão, stress, alto
indice de suicídio e insatisfação, perda do sentido da vida), a sua preocupação
era entender as aparições destes desequilibrios, que hoje sabemos que decorre
das mudanças bruscas nos hábitos humanos. Desta forma a psicologia da comunicação
quiz aprofundar quais eram as lacunas da relação humana e encontrou que uma
delas estava estreitamente relacionada ao próprio modo de escutar do homem, que
vive subjulgado em um ambiente que jaz sobre o peso da poluição sonora dia e
noite. Encontrar um lugar silencioso é um trabalho difícil, porque de todos os
lados se acumulam nos nossos ouvidos sons de todas as qualidades. Talvez seja
por isso que os nossos jovens preferem colocar o seu fone de ouvido e escutar
somente aquilo lhes interessam, sem se importar com os ruídos que estão à sua
volta. Uma coisa é certa, a qualidade da nossa vida e o grau da nossa
civilização depende também da qualidade das paisagens
sonoras que conseguimos criar em torno a nós. Segundo Edmund
Shafer, estudioso de acústica, o homem de hoje precisa, como ele chama, de uma ecologia
sonora para melhorar a qualidade de vida comunicativa,[10] ou seja, tirar
os excessos, educar o ouvido a perceber os sons que emergem do ambiente,
aprender a silenciar para escutar profundamente as mudanças que estão
acontecendo ao redor de nós e atribuir a elas um significado coerente com a
nossa percepção.
Tendo presente
que este tema da escuta é muito relevante no mundo da comunicação e por séculos
foi o único meio utilizado pelo homem para transmitir as gerações futuras o
patrimônio do conhecimento, das tradições, das ciências e culturas, tentemos
compreender quais os tipos de escuta que o homem precisa realizar no mundo das
suas relações e porque a rede é tão atraente para este tipo de contato.
Vittorio Castellazzi, é um escritor, professor e pesquisador, e escreveu vários
livros sobre este tema. Ele consegue individuar 3 tipos de escuta, intimamente
interligados um ao outro: escutar a si mesmo, como chave para
entender a própria história, identidade e evolução,[11] escutar o outro, de coração aberto e acolhedor. E ser escutado, como capacidade
de ser acolhido e participar desta experiencia.[12]
O autor afirma que o nosso primeiro
e grande interlocutor somos nós mesmos e o nosso mundo interior precisa ser
escutado. Para uma leitura/escuta do nosso interior, se faz necessária a
capacidade de estar sozinho, de estar em silêncio, de abster-se dos barulhos
externos. Um pouco dificil para a nossa sociedade industrializada. Até na
igreja, diz ele, onde o silêncio deveria ser respeitado, o murmúrio das
conversas atrapalha e desvirtua o espírito de oração. Um outro absurdo que
acontece nas nossas casas – principalmente aquelas localizadas nos grandes
centros industrializados, como são as capitais – são as mil e umas formas de neutralizar os
sons que vêm de fora, com um revestimento acústico milionário. O que acontece é
que quando a pessoa chega em casa, até mesmo sem perceber ou liga a TV ou
coloca a rádio em volumes altíssimos. Então o problema não é o barulho, mas o
medo do silêncio e de sentir-se sozinho. E ainda mais, quando até se procura um
silêncio externo, mas internamente existe um mundo agitado, cheio de
pensamentos e uma falta de capacidade de estar sozinho consigo mesmo, porque
não se sabe administrar as próprias emoçoes, as ansiedades e os medos.[13]
O Dr. Ralph Nichols, citado acima,
estudou por 40 anos as questões da escuta e escreveu um livro com o tema, Listening.
Is a 10 part skill (1957), muito interessante que oferece uma espécie de
decálogo como proposta de formação ao bom escutador/comunicador. Ele dizia que
para escutar é preciso conservar a mente aberta, até porque somos uma realidade
multidimensional e existem pontos desconhecidos a nós mesmos. Você ja deve ter
vivivo uma situação similar: alguém diz uma palavra ou uma frase e a sua reação
é negativa e até um pouco primitiva. Isso acontece porque existe uma
necessidade incosciente de defender nosso território emocional, que pertencem
às realidades sensíveis do nosso intelecto, ou seja, nossas emoções.[14] E como
saber controlar as próprias emoções? Segundo o professor Daniel Goleman, muito
conhecido pelo livro “Inteligência Emotiva”, em primeiro lugar precisamos saber
nomeá-las e distinguir os sentimentos que se passam dentro de nós para poder
agir mais liberdade e inteligência racional. Ele afirma que a razão das nossas
reações, às vezes verdadeiras grosserias nos relacionamentos, se deve ao fato
de que ler o que se passa dentro de nós é muito difícil, e muitas vezes vem à
tona realidades da nossa vida que aparentemente estavam adormecidas. Desta
forma quando alguma coisa ultrapassa o limite (de segurança), o impulso vem
antes no coração que na mente e quando temos sentimentos muito intensos, estes
reagem naturalmente, porque estão ligados às emoções. Ele afirma que quanto
mais forte a emoção, mais a nossa mente racional é enganada e colocada a
serviço da mente emocional.[15]
Portanto para realizar uma escuta
acurada de si mesmo, precisamos ser sinceros, verdadeiros e conscientes de que
se caminha em um fio oscilante e frágil da nossa natureza humana. No escutar a
si mesmo, é necessário uma aceitação dos próprios limites e da própria verdade,
de outra forma, será muito difícil escutar os outros.[16] Para
problemas difíceis não existem explicações simplificadas e superficiais, com
frases prontas e idéias fixas. O ser humano precisa ter paciência consigo mesmo
e com seus processos interiores, mas sinceramente nem conseguimos esperar dois
segundos diante de uma página de internet que está carregando à nossa frente.
Imaginemos o que não exigimos de nós mesmos, por falta da capacidade de se auto-escutar
e por isso auto-entender-se.
A maioria destes autores que citei
acima, fazendo um resumo muito breve de seus estudos concordam que a nossa
escuta pode ser limitada e fechada em si mesmo. Por isso ela precisa entrar constantemente
em contato com outras realidades das pessoas e de mundo. Eles afirmam que a
escuta de nós mesmos está estreitamente ligada a escuta do outro.[17] Quem escuta o outro, está abrindo a
porta da sua casa, lugar de intimidade da família e do encontro com aqueles que
ama. Usando a metáfora do útero materno, ele intuiu que escutar o outro é
oferecer um útero psicológico, capaz de ajudá-lo a saiar da prisão dos seus
conceitos e idéias negativas. O interlocutor coloca em comum suas emoções,
estados de ânimo, esperanças e medos, dor e sofrimento. Quem é de fato escutado
se sente reconhecido e amado, porque os ouvidos são apenas um orgão, mas o que
de fato acolhe é o coraçao.[18]
No início do Pontificado do Papa
Francisco, ele nos convidou a “não ter medo da bondade e da ternura”. Para o
estudo que estamos fazendo, podemos acrescentar que escutar o outro é amar com
bondade e com ternura. É não ter medo de ser presença de uma pessoa que acolhe,
aceita, valoriza e se torna companheiro de viagem. Dentro desta comunicação,
cheia de empatia, nos sentimos parte um dos outros, raça humana, cheios de
esperanças e coragem para afrontar os desafios deste mundo.[19] Na
escuta entra em jogo outras caraterísticas para-linguísticas e
extra-linguisticas, por exemplo, a voz, a tonalidade, estados de ânimo e a
comunicação não verbal que também são fatores de reconhecimento e que
transmitem significados para além das palavras.[20]
Com todas essas observações, vemos o
quanto é rica e complessa a comunicação humana, principalmente aquela
interpessoal. No tu-a-tu nos são revelados detalhes importantes e
profundos, mas que atualmente estão
ganhando sempre mais espaço através da interface do computador e dos
dispositiveis movéis, cada vez mais acessíveis. Vivemos em um ambiente que nos
é familiar (internet), nos encontramos em uma praça pública digital (social
network) e estes eventos que permeiam nossas atividades direcionam e formam
nossa linguagem e o nosso modo de relacionar e de escutar a pessoa. Não a caso
dizemos ao nosso amigo após um encontro pessoal: “Nos vemos no facebook”;
“Espero a sua confirmaçao no whatsApp”; “Nos falamos no chat do Face”, “Voce já
retuitou a minha mensagem?” Sem contar a escritura reduzida de msn que se converteram
em um sistema de decodificação que para um senhor de 60 anos seria uma nova
língua.
Para os nativos digitais este tipo
de interação, de linguagem é uma coisa tão normal, como qualquer outra
realidade humana. O Papa emérito Bento XVI na sua encíclica Caritas in
veritate, n.69 nos diz que «a tecnologia é um fato profundamente humano, ligado
a autonomia e a liberdade do homem. Na técnica se exprime e se confirma o
senhorio do espírito sobre a matéria». E próprio alí, na tecnologia que ao
mesmo tempo, se manifestam as aspirações do homem, enraizadas no seu coração que
é aberto aos conhecimentos e as relações humanas.[21]
Na rede existem seres humanos
esperando reconhecimento (face) e aceitação (pedido de amizade). E estas duas
características estão presentes na relação de escuta, ou seja na fala
reconhecemos a voz como identidade da pessoa (dificilmente uma voz engana) e na
aceitação do outro, damos a ele a oportunidade de participar do nosso mundo e
vice-versa.
Porém escutar é uma tarefa dura e
muito trabalhosa. E existem dificuldades para serem superadas, como por
exemplo: o mau-entendido que geralmente se instala no processo de
codificação e decodificação da mensagem e se forma no momento em que a mensagem
vai enviada, abrangendo aspectos do conteúdo e da relação. O juizo é também um
outro obstáculo à escuta. Infelizmente muitas pessoas querem aprisionar o outro
dentro de seu esquema mental. Este é incapaz de assumir a própria
responsabilidade na comunicação e todo o tempo da conversa ele estará
calculando, condenando e desaprovando interiormente.[22] A escuta
passiva é um outro fator que
dificulta uma boa comunicação. Em uma conversa não é possível que um
escute o outro sem dizer uma palavra de confirmação, uma reformulação da frase
ou um gesto qualquer que mostre o seu interesse pela conversa. Disso não nos
esquecemos que existem conversas longas e cansantivas no qual perder a atenção
é normal, mas quem se coloca a escuta precisa participar ativamente com toda a
sua pessoa, seja a nível verbal como não verbal.[23]
Além destes três exemplos,
Castellazzi nos indica que existem outros tipos de escutar erradamente uma
pessoa. Vamos rapidamente passar por cada uma delas: a escuta narcisistica
que nasce da exasperada necessidade de ser amado; a escuta parcial e
dividida em bom e mal; a escuta presuntuosa que vê o outro do
alto; a intolerante que se fecha diante de um ponto de vista
diferente do seu; a agressiva que a todo custo quer impor seu
ponto de vista; seletiva que escuta parcialmente, só aquilo que
quer ouvir; a escuta preguiçosa e emotivamente separada; a superficial
e veloz que não sabe esperar; ou ainda aquele que tudo já sabe e
não se interessa de fato por aquilo que o outro diz; a escuta idealizada
que aceita tudo no positivo para não entrar na realidade; a escuta banal
e ainda aquela fora do contexto.[24]
São observações e pesquisas
realizadas no campo comunicativo que revelam os ruídos de uma comunicação
humana, que nos leva a entender que o processo comunicativo entre as pessoas é
complesso e ao mesmo tempo dinâmico. A escuta, como temos apresentada, é uma
ação que solicita presença e dedicação, que são alimentos básicos de qualquer interação
humana.
A Rede é um ambiente caloroso de relações
Neste complexo multidimensional que
é o ser humano, nos perguntamos o que acontece quando se tem à disposição um
espaço sem fronteiras para expressar pensamentos, recontar a história pessoal,
partilhar interesses, experiências, sonhos e aspirações profundas? O que faz
entregar a privacidade e comunicar cada passo da jornada com dados muito
precisos, espontâneos e sensíveis? Por que é tão importante viver conectado e
em todo tempo esperando o recebimento de uma mensagem? E ainda, porque mesmo
juntos com as pessoas que amamos é dificil desligar-se do aparelho de 5
centímetros?
Se o ser humano desde de sempre foi
chamado a uma relação de amor com o seu próximo, porque este meio é quase mais
fascinante que a pessoa ao lado? Pe. Antonio Spadaro, nos oferece uma explicação
que vem ao encontro do nosso estudo. Ele diz que a rede é um ambiente “caloroso” e por isso se manifesta como um lugar confidencial,
porque permite expressar coisas que na vida real seria muito difícil de dizer.
Na rede a pessoa pode ter uma abertura completa com espontaneidade e grande
nível de autenticidade. Muitas vezes e infelizmente pode-se chegar aos extremos
da falta de limites e pudor. O Ciberespaço é um lugar emotivamente caloroso e
não tecnologicamente frio. O crescimento da Web 2.0 nos fez compreender que os
relacionamentos estão ao centro do sistema e da partilha dos conteúdos, cada
vez mais personalizados. No início, recordemos que a internet era uma rede de
páginas e conteúdos. Ao contrário nos dias de hoje, a rede emerge das relações.
Pe. Spadaro afirma que a rede não é um agregado de pessoas, mas um conjunto de
relações entre as pessoas. O conceito não é a presença na rede, mas a conexão:
se você é presente, mas não está conectado, então se encontra sozinho. A pessoa
neste sentido entra na rede para experimentar uma forma de proximidade.[25]
Quando queremos
falar algo importante e confidencial a alguém, geralmente mudamos o tom de voz,
a maneira de falar, as pausas, as palavras são bem escolhidas. E isso não é
diferente na rede que aumenta nossas possibilidades de relação. Bento XVI na
sua mensagem: “Novas tecnologias, novas relações”, menciona o
perigo de que o desejo de conectar-se virtualmente se transforme em obsessão, e
leve a pessoa ao isolamento, trazendo vários disturbios à vida pessoal,
fazendo-a descuidar da necessidade de repouso, da pausa para a reflexão, de
silêncio e oração tão necessários para o desenvolvimento integral do homem.
Um problema
central que podemos encontrar é que a rede, chamada a colocar em conexão, na
realidade se auto-isolasse. Ela de fato não coincide com um encontro pessoal
que é uma experiência muito laboriosa a nível relacional. Não podemos chegar ao
ponto de assistir a “morte do próximo” como explica o psicanalista Luigi Zoja
citado por Spadaro. Ou seja, estar muito atento a quem se encontra a kilometros
de distância, por causa de suas atualizações e constante presença no social
network e esquecer de um amigo que vive ao lado, mas que não tem uma conta no
facebook e muito menos usa e-mail.[26]
Pe. Spadaro nos
orienta escolher um caminho para poder viver bem em tempos de internet. Nossas
relações profundas não podem ficar limitadas na rede dentro de um “feed” de
notícias do outro. Este não deve susbtituir o empenho pessoal dentro de uma
relação autenticamente “encarnada” da qual uma das dimensões é a escuta
profunda do outro, que esige uma doação significativa do nosso tempo e posso
até dizer da nossa vida. Em um encontro autêntico com o outro nada permanece
como antes, algo muda, tanto para o bem, como para o mau.
Estas
“maravilhosas invenções”, não vieram para substituir a primazia do ser humano
como autor da própria história e sujeito de relação. Não é o crescimento da
tecnologia que determina o grau de nossas relações, mas é uma vontade natural
do ser humano de criar laços de amizade, de cooperação e participação ativa na
sociedade. Acredito que a pessoa que mais conseguirá viver bem em tempo de
rede, será aquela capaz de escutar com os olhos, com os ouvidos e com o coração
o que está por trás de um perfil ou um avatar e ao mesmo tempo sentir-se
impulsionado a ir além daquela interface. O homem de hoje, talvez mais do que
nunca precisa ser escutado e precisa de pessoas que caminhem lado a lado e
sejam capazes de acolher suas esperanças e tristezas, de entender suas
necessidades profundas, de ser compreendido e amado. Acredito que muitos já
constataram da própria experiência que não basta ter um milhão de amigos
virtuais e ter a disposição todos os aparelhos de última geração para ser
feliz. As fotos sem amigos para partilhar, não teriam sentido.
Tenhamos presente
que a tecnologia é uma invenção esplêndida, mas o homem é a “supremacia da
criação” mesmo com todos os defeitos e dificuldades. Se o homem deixasse de
existir, não teria razão que as outras coisas continuassem no universo. Em uma
linguagem bem simples e fazendo uma comparação: o que seria o facebook sem
amigos, o que seria o Google sem os seus exploradores e o que seria do Twitter
sem os seus minijornalistas? Ou seja, todas as coisas criadas e inventadas foram
feitas servir a humanidade e para conseguir de certa maneira à sua felicidade, a
realização do seu desejo de entrar em relação com os outros e com o mundo, que
são “aspirações radicadas no coração do homem”.
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[1] Cf. Herbert FRANTA – Giovanni
SALONIA, Comunicazione interpersonale. Teoria e pratica, Roma, LAS,
1998, 79.
[2] Cf. FRANTA – SALONIA, Comunicazione
interpersonale, 55.
[3] Cf. Ascoltare, in
Giorgio CUSATELLI (Ed.), Dizionario Garzanti della lingua italiana,
Milano, Garzanti, 1965, 144.
[4] Cf.
Paul E. KING, Listening, in Wolfgang DONSBACH (Ed.), The
international encyclopedia of communication, Malden (MA), Blackwell, 2008,
2718.
[5] Cf. FRANTA – SALONIA, Comunicazione
interpersonale, 56.
[6] Cf. Gaspare MURA, Pensare la
parola. Per una filosofia dell'incontro, Roma, Urbaniana University Press,
2001, 231-232.
[7] Cf. Alberto MELLO, Ascolto, in Romano PENNA –
Giacomo PEREGO – Gianfranco RAVASI (Edd.), Temi teologici della Bibbia, Cinisello Balsamo (Mi), San
Paolo, 2010, 97.
[9] Cf.
Ralph G. NICHOLS, The struggle to be human, (17/02/1980) in
http://www.listen.org/Resources/Documents/14.pdf 1 (15/03/2011), 6.
[10] Cf. Fabio PASQUALETTI, Suono,
in Franco LEVER – Pier Cesare RIVOLTELLA – Adriano ZANACCHI (Edd.), La
comunicazione. Il dizionario di scienze e tecniche, Rivoli (TO) – Roma,
ELLEDICI – LAS – RaiEri, 2002, 1106.
[11] Cf. Vittorio Luigi CASTELLAZZI, Ascoltarsi,
ascoltare. Le vie dell’incontro e del
dialogo, Roma, Edizione Magi, 2011, 12.
[12] Cf. CASTELLAZZI, Ascoltarsi,
ascoltare, 44 - 49.
[13] Cf. CASTELLAZZI, Ascoltarsi,
ascoltare, 17-18.
[14] Cf. Ralph G. NICHOLS, Listening. Is a 10 part skill, Chicago, Enterprise
Publications, 1957, 12.
[15] Cf. Daniel GOLEMAN, Intelligenza emotiva.
Cos'è. Perché può renderci felici, Milano, Bur, ²º2009, 336-341.
[16] Cf. CASTELLAZZI, Ascoltarsi, ascoltare,
29-31.
[17] Cf. CASTELLAZZI, Ascoltarsi, ascoltare,
25.
[18] Cf. CASTELLAZZI, Ascoltarsi,
ascoltare, 44.
[19] Cf. ROGERS, Un modo di essere, 118-122.
[20] Cf. ANOLLI, Psicologia della comunicazione,
210-211.
[21] Cf. Antonio SPADARO, Web 2.0. Reti di relazione,
Milano, Edizione Paoline, 2010.
[22] Cf. CASTELLAZZI, Ascoltarsi,
ascoltare, 83.
[23] Cf. FRANTA – SALONIA, Comunicazione
interpersonale, 70.
[24] Cf. CASTELLAZZI, Ascoltarsi, ascoltare,
82-88.
[25] Cf. Antonio SPADARO, Cyberteologia, pensare
il cristianesimo al tempo della rete, Milano, Vita e Pensiero, 2012,
49-50.
[26] Cf. SPADARO, Cyberteologia, 52.
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